2009-11-11

Também no Barreiro...El coronel no tiene quién le escriba!

«Disse-se que o passado era a lição do presente.
Quando o presente é que é lição do passado.»

Efectuar uma tentativa de interpretação da evolução do Barreiro, do distrito de Setúbal e de Portugal, é uma tentação que - por vezes - toma de assalto o meu pensamento. Todavia, depressa rejeito cair nessa tentação, ao verificar que as novelas de Gabriel García Márquez interpretam na plenitude a evolução dos epifenómenos a que pretendia dar uma tentativa de interpretação.

Recentes epifenómenos da política barreirense tentaram-me novamente a escrever uma tentativa de interpretação sobre o presente e o futuro do Barreiro. No entanto, desde logo veio-me à memória que Gabriel já tinha grande parte da dita interpretação escrita na sua novela «El coronel no tiene quién le escriba» e que, tal qual a sua outra obra «Crónica de una muerte anunciada», o epifenómeno estava sumamente anunciado desde os tempos da pré-campanha eleitoral autárquica. Ao que é dito e pode ser interpretado nas palavras de Gabriel García Márquez, pouco valor acrescentado traria a minha tentativa de interpretação.

Ainda assim, não resisto a uma breve resenha de cinco tópicos a ter em consideração no actual estado da "doença política" barreirense:

1. O vício do dogmatismo - natural no homem, em todas as circunstâncias e em todo o Mundo - deu lugar ao vício do bloguismo anónimo baseado na facécia, nas atoardas e maledicência sobre outrém;

2. Raramente se propõem doutrinas, muito menos de maneira crítica, em forma de hipóteses que se explicam, que se esclarecem, que se corrigem ou que se discutem. Impõem-se artigos de fé, sem direito à existência de matizes cinzento, segundo a lei do tertium non datur, como quem apresenta a proposição de que "a política só pode ser verdadeira se não for falsa";

3. Cada vez é maior o número de almas pensantes que acerca de um qualquer assunto só conhecem a tese perfilhada pelo sua própria seita, a qual para tais almas é tudo e revoga de vez toda a restante forma de pensar, como se de pensamento pretérito se tratasse;

4. O eruditismo puro deixou de ser um valor social e ético. esmagado pela hegemonia da imagem, dos rostos que pretendem dar rostos (sorridentes) às cidades e das caras que se sentem caras importantes das revistas do mundano, nem que tenham que fazer acrobacias mais espectaculares que o pino na sua constante disputa pelos «quinze minutos de fama»;

5. A crítica - um excelente exercício de natureza mental - quer na acepção de análise da produção intelectual quer na acepção de capacidade de julgar foi substituida pelo seu significado figurativo de condenação ou censura, tomada como ataque pessoal ao indivíduo e não às suas ideias, condenando quem é crítico ao limbo (esse lugar onde se lançam coisas de que não se faz caso), ao ostracismo sócio-político e talvez, não raras vezes, ao ostracismo profissional ou de evolução profissional.

Sabias foram as palavras desse Grande Republicano, Sampaio Bruno, ao afirmar que «o presente é que é a lição do passado». A lição está aí, à vista desarmada e perante todos.

2009-11-04

Francisco Ayala (1906 - 2009)

Francisco Ayala é um daqueles vultos da literatura espanhola pouco conhecidos em terras de Portugal.

Ao longo da sua vida deixou-nos um legado de 114 Obras literárias. Manteve a lucidez e faculdades intelectuais muito para lá do seu centário de vida, comemorado em 2006.

Em 2008, já nos seus 102 anos de vida, deu uma longa entrevista que tive oportunidade de ver no Canal Andalucia. Uma entrevista onde mostrava o quanto ainda estava vivo intelectualmente num corpo que não escondia as marcas tipicas do envelhecimento.

Em 2007 afirmava - "Soy un cómico que lleva años esperando a que se baje el telón, pero no termina de bajarse" (...) "He escrito demasiado porque he vivido demasiado y además lo he hecho intensamente."

A cortina (telón) do Teatro da vida de Ayala terminou hoje de baixar, resta-nos dele o que escreveu em demasia, resta-nos a esperança de também vivermos demasiado com idêntica lucidez.