2008-10-31

Das Guerras Púnicas às Guerras Públicas

Foto Rocke (Roque Aguilera)



O Senhor General Loureiro dos Santos e as nossas Forças Armadas merecem-me o maior respeito. Sou sensível aos problemas dos ex-combatentes e dos deficientes das Forças Armadas e compreendo que os militares tenham regalias não atribuidas aos civis que trabalham no sector público. Todavia, há mais vida neste País para além da instituição militar e as actuais ameaças à soberania do País passam por áreas onde os militares pouco ou nada actuam.
Pessoalmente - e admito que possa estar errado - creio que ainda estamos a sofrer os efeitos de uma estrutura militar cuja finalidade se esgotou após o fim da guerra colonial, sem a necessária restruturação da instituição militar e de algumas regalias que eventualmente não têm hoje qualquer sentido.
Os nossos militares merecem ser muito bem tratados, mas o bom tratamento que lhes é dado tem de ser compatível com as possibilidades económicas do País e com a necessária parcimónia que permita não criar situações de injustiça relativa em relação aos restantes Servidores do Estado e aos civis que trabalham no sector privado.
Há neste País quem seja vítima de tremendas injustiças e igualmente tenha justos sentimentos de agravo, tendo por única "arma" o voto. Cidadãos, por exemplo, que não compreendem porque razão um Sargento com o 12.º Ano de Escolaridade ganha maior remuneração que um Mestre ou um Doutor que é docente contratado no Ensino Público. Ora os militares, tal qual qualquer outro cidadão, tem igualmente no voto a sua "arma" legítima para mudar o rumo deste País no seio da legitimidade democrática.
Assim, é com enorme indignação que registo o "alerta" do General Loureiro dos Santos no artigo de opinião publicado no jornal O Público e que aqui se reproduz. Fica igualmente o alerta ao General Loureiro dos Santos e aos tais jovens, que na Sociedade Civil há cidadãos menos jovens que são dos mais generosos de todos nós, igualmente sensíveis a injustiças, corajosos e destemidos, também muito puros nas suas intenções e não menos temerários, que não ficarão indiferentes nem de braços cruzados.
A «angústia provocada por situações de dificuldade, associada ao sentimento de que são objecto de injustiça relativamente à forma como são tratados», não atinge unicamente os militares. A «situação precária em que se encontra a sua vida privada e social (como a das respectivas famílias)» é igualmente argumentável por muitos cidadãos da nossa sociedade civil.
Convém que o Senhor General e os jovens militares não se «julguem blindados contra situações desagradáveis que possam vir a surgir» como resposta da sociedade civil a qualquer eventual ocorrência comparável a "acontecimentos (funestos) do passado" que todos nós desejamos que não voltem a acontecer.
Se Portugal é Pátria, a Democracia é Mátria! Cumpre à instituição militar tanto defender a Pátria como defender Mátria.


«Os responsáveis políticos têm ignorado as vozes de alerta
Opinião: Sinais preocupantes na instituição militar

25.10.2008 - 09h52 Loureiro dos Santos, general

Trinta e três anos depois do 25 de Novembro de 1975, assistimos novamente a sinais preocupantes com origem nos militares. Sinais que revelam profunda indignação dos cidadãos em uniforme ante uma democracia para cuja fundação foram absolutamente determinantes. Já há muito tempo que alguns chefes das associações profissionais dos militares e outros militares na reserva ou na reforma vêm chamando a atenção da opinião pública para a enorme insatisfação que grassa nas fileiras, insatisfação que abrange todos quantos têm o compromisso de estar prontos a sacrificar a vida para defenderem a sua pátria, desde os mais baixos aos mais elevados graus da hierarquia. Os motivos de descontentamento relacionam-se com o modo como têm sido descurados os direitos que o Estado lhes outorga formalmente como compensação das obrigações que lhes exige, mas lhes recusa de facto, direitos resultantes das especificidades próprias das missões que justificam a existência de um sistema militar ao serviço de Portugal e que constam da lei sobre a condição militar.
As razões de indignação envolvem: 1) seu enquadramento incorrecto na grelha remuneratória dos vários servidores públicos (onde são discriminados muito negativamente, em comparação com as profissões da administração pública consideradas equivalentes); 2) deficiências no apoio de saúde que lhes é devido, bem como aos seus familiares, de cujo bem-estar depende em elevado grau o ânimo para o cumprimento da missão, ou seja, o seu moral; 3) modo como são tratados pelos responsáveis políticos os camaradas que já se encontram na situação de reserva e reforma (nos quais se revêem quando atingirem a mesma situação); 4) falta da assistência a que têm direito os militares que ficaram deficientes ao serviço do país (particularmente durante a guerra), o que também lhes pode vir a acontecer; 5) desconsideração com que estão a ser tratados os veteranos combatentes cujas condições económicas, sociais e/ou de saúde se degradaram; 6) insuficiência dos orçamentos militares correntes, que impedem o funcionamento normal das unidades, serviços e órgãos, com o risco da existência de falhas com impacte, mesmo que indirecto, na operacionalidade desejada; 7) baixa prioridade conferida ao investimento na obtenção e substituição de equipamento e armamento de primeira necessidade, para garantir a participação das unidades nacionais destacadas que operam ao lado de contingentes aliados em idênticas condições, e delongas inexplicáveis na sua materialização quando autorizadas.Até agora, tem-se ouvido a voz dos mais experientes (e mais prudentes), que já se encontram fora do serviço activo, alertando para as consequências que estas situações poderão produzir - assim como dos líderes associativos, pressionados pelos sócios que os elegeram seus representantes.
Sabe-se que os chefes militares, como lhes compete, têm alertado para estes problemas com a atitude de respeito que os caracteriza, mas também com a veemência que traduz forte preocupação. Só que têm emergido ultimamente indicações da existência de sentimentos de agravo de muitos jovens em uniforme - praças, sargentos e oficiais - há muito conhecidas da hierarquia de topo, que, não há menos tempo, deles têm feito eco junto dos políticos com capacidade de os resolver. Sentimentos que podem acentuar-se, se vierem a entender como insuficientes e injustas as mudanças que estão a ser estudadas nos suplementos remuneratórios, quando concretizadas. Este facto constitui uma circunstância nova que introduz uma alteração qualitativa na situação de insatisfação dos militares que até agora tem sido referida, caracterizada por os mais jovens, normalmente mais idealistas, não cuidarem muito das condições que lhes permitam o acesso justo a bens materiais e a tratamento condigno. Costuma afirmar-se, e bem, que a nossa democracia, reforçada pela presença de Portugal na União Europeia, se tornou numa garantia de que os golpes militares não regressam. O que terá contribuído para o confortável sossego dos responsáveis políticos perante as vozes de alerta que se têm ouvido acerca do que preocupa os militares. E terá mesmo justificado a sua apatia, não agindo em conformidade com o dever de tratar os militares com o respeito e a dignidade que merecem, em consonância com as funções que o país lhes atribui nas situações mais difíceis e perigosas. E tendo em atenção as condições de limitação de direitos e de exigência reforçada de obrigações que caracterizam a sua qualidade de servidores da pátria em situações limite, o que os impede de declarar publicamente o desagrado que sentem. Presumo que a postura generalizada dos militares é uma sólida disposição, melhor, determinação, de não perturbar a normalidade democrática, já que é insuspeita a sua devoção ao regime, para cuja implantação tiveram contribuição decisiva. Mas a angústia provocada por situações de dificuldade, associada ao sentimento de que são objecto de injustiça relativamente à forma como são tratados profissionais da administração pública a que são equiparados, cuja persistência lhes parece absolutamente incompreensível, poderá conduzir a actos de desespero, capazes de gerar consequências de gravidade, que julgaríamos completamente impossíveis de voltar a acontecer. Até agora têm falado e agido os mais velhos, logo os mais conhecedores, os mais compreensivos, os mais cautelosos. Mas atenção aos jovens. Os mais jovens são os mais generosos de todos nós, mas são também os mais sensíveis a injustiças, os mais corajosos e destemidos, os mais puros nas suas intenções, os mais temerários (muitas vezes imprudentes).Os altos responsáveis nacionais deverão ter em muita atenção o crescente número de militares jovens que assumem a consciência de quem são os responsáveis pelas injustiças a que estão a ser sujeitos e pela situação precária em que se encontra a sua vida privada e social (como a das respectivas famílias), assim como pelos perigos que poderão decorrer para o cabal cumprimento das missões que são chamados a cumprir.Para prevenir situações de perturbação social, que podem ser muito inconvenientes, nomeadamente na forma como somos vistos pelos nossos parceiros da União Europeia e da NATO, bem como pelos membros da CPLP, torna-se da maior importância que os nossos líderes, a começar pelo Presidente da República e o primeiro-ministro, leiam com atenção os sinais que saem da instituição militar e ajam, sem demora, em conformidade. Convém não nos julgarmos blindados contra situações desagradáveis que possam vir a surgir, nem que insistamos em pensar que "acontecimentos (funestos) do passado não voltam a acontecer". Atento ao evoluir da situação e comprometido com a democracia, como os militares da minha geração, sinto o dever de fazer este alerta aos primeiros responsáveis do regime, cuja instauração tanto custou. Leiam os sinais preocupantes que estão a vir à superfície relativamente ao que sente a instituição militar, dêem atenção aos chefes militares e corrijam as injustiças.»

2 comentários:

Anónimo disse...

No Publico, o general Loureiro dos Santos dá a conhecer a insatisfação que grassa entre os ramos da forças armadas.Esta deve-se a diversas situações com as quais os militares se sentem indignados nomeadamente a desprestigiação da profissão aos olhos da opinião publica, dos constantes atropelos por parte do estado a dignidade militar e as constantes humilhações sofridas pelos homens de farda.Recomendo leitura atenta do artigo.
Aqui há uns meses o meu caríssimo amigo e co-blogger eddie felson escreveu um post no qual dava conta de uma entrevista do também general Garcia Leandro,na qual este avisava da crescente insatisfação geral na sociedade portuguesa.
Loureiro dos Santos vai mais longe.Neste caso a insatisfação não é da sociedade é dos militares, insatisfação perante a forma como são tratados pelo regime em vigor, que segundo as palavras do general "eles ajudaram a construir".
Não quer isto dizer que os militares se preparam para o destruir, longe disso não leio a entrevista como uma ameaça nem considero que seja um cenário previsível qualquer espécie de golpe militar. Só acho interessante a maneira como o general se refere a situação, ele diz que a insatisfação se faz notar, não só nas altas chefias, mas também, nas patentes mais baixas, capitães incluídos...
Um militar assiste á dificuldade que os estropiados de guerra têm em obter apoios do estado, assiste depois a um inútil, como os há tantos por ai espalhados, que, tendo exercido um qualquer cargo governativo por 8 anos leva para casa uma principesca pensão vitalícia do estado.Assiste depois a perda de regalias e direitos ao mesmo tempo que vê o governo a ser cheio de assessores, directores gerais , etc que apresentam como único curriculum o cartão do partido.Assistem ainda a deterioração do material militar, ao mesmo tempo que sai na comunicação social, de forma ridiculamente tímida e a medo, as centenas de milhões de euros pagos pelo estado a empresas privadas para "estudos", que ,em 90% das vezes, só servem para enriquecer a empresa que os realizou, empresa essa que, pasme-se,é propriedade de alguém com um cartão da cor certa.
Como os militares estamos todos, os que nos preocupamos, em vão, com a situação do pais em que vivemos.Isto realmente está mau, cada vez pior, mas, ao contrario dos militares, nós não temos quartéis cheios de espingardas obsoletas, que, não obstante, disparam.
Uma situação a ter em conta, digo eu, por quem de direito, há um limite máximo de humilhação que uma pessoa suporta e este governo, ao que me parece, está a esticar a corda.

Anónimo disse...

Nesta República das Opiniões é sempre bem acolhido quem expressa opinião diferente à nossa.

Temos texto de um tal Parreira, cujos argumentos se erguem e estendem em latada. Lido o texto, muita é a parra, pouca é a uva.