2008-03-03

Um Governo e uma Assembleia da República assessorada por pigmeus

Há uma única máquina gigante manobrada por pigmeus: a burocracia.

Honoré De Balzac

Creio que Balzac não sentiria grandes diferenças caso tivesse a oportunidade de ressuscitar e viver, por uns dias, a realidade portuguesa deste primeiro decénio do Séc. XXI. Na verdade, passe a perplexidade face ao avanço tecnológico, pouca diferença sentiria em relação à actual realidade da nossa Administração Pública.

Estamos imensamente "inovadores" e até temos medidas como o SIMPLEX e a EMPRESA NA HORA, mas em quase tudo o resto comportamo-nos como naquele conto de fadas da minha infância, sem que ninguém ouse afirmar - O Rei vai nú!

Basta a leitura de meia dúzia de diplomas (Leis, Decretos-Lei, Decretos-Regulamentares e Portarias) para perceber que são mais as operações de cosmética do que as verdadeiras mudanças em relação a um status quo que se esconde por detrás dos cosméticos que adornam os ditos diplomas. Uma das últimas evidências surge na leitura da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de Fevereiro. Seriam de esperar mudanças substanciais quer na caracterização das carreiras (Art.º 49) quer no recrutamento, muito em particular nos métodos de seleção (Art.º 53), mas este diploma legal traz mais do mesmo.

Com base numa primeira leitura sumária desta Lei, a qual merece leitura atenta e cuidada, identificam-se a olho nu três grandes oportunidades perdidas:

  1. Uniformização das carreiras e categorias segundo o sistema utilizado para os Funcionários dos organismos e organizações da União Europeia;
  2. Introdução da remuneração mista (remuneração base + remuneração variável + prémios);
  3. Novos métodos de selecção, orientados ao futuro, ao potencial dos candidatos, em lugar das habituais provas de conhecimentos memorísticos e seus sucedâneos.

A primeira oportunidade perdida, implica que todos são iguais independentemente das habilitações académicas e percurso profissional, criando gritantes injustiças a coberto do legalismo do processo. A segunda oportunidade perdida implica que os postos de trabalho continuarão sem serem devidamente caracterizados em dimensões importantes como o grau de responsabilidade e de exigência da actividade exercida, a qual deve ser remunerada de forma variável e de acordo com o próprio posto de trabalho (por exemplo, ser o gestor de rede responsável por garantir o bom funcionamento da rede informática da Câmara Municipal de Lisboa é coisa bem distinta de ser o gestor de rede responsável por garantir o funcionamento da rede informática da Câmara Municipal de Arganil). Em Espanha existe algo idêntico, o complemento de destino, o qual funciona como um autêntico motivo à mobilidade e bom desempenho.

Por último, a terceira oportunidade perdida significa que os velhos métodos continuarão em vigor, não se destruindo as barreiras à entrada que pululam nas nossas arcaicas instituições. Em casos extremos, mas não impossíveis de ocorrer - muito mais agora nesta sociedade em que o emprego para toda a vida acabou - um licenciado com 4 ou 5 anos de carreira continuará a poder exercer a função de júri e de avalidador de um especialista doutorado que se sujeita a concurso. Não acredita? Já ocorre na avaliação de desempenho dos docentes do Ensino Básico e Secundário. O grande busílis da questão não está apenas no facto de um Licenciado avaliar um Mestre ou um Doutor, está no facto de um qualquer incompetente ou ressabiado licenciado não preterir o candidato com mais habilitações e curriculum profissional melhor que o seu, por simples medo da concorrência.

Quem pense que isto não ocorre a diário na nossa Administração Pública, é porque vive no País nominal criado nos Gabintes das nossas Secretarias de Estado. Certamente, após leitura de alguns dos nossos diplomas legislativos, Honoré De Balzac não deixaria de escrever algo como:

Há duas únicas máquinas gigantes manobradas por pigmeus: a burocracia e o Governo Português.

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