2008-11-16

Manuel Alegre na TSF e a Avaliação de Desempenho dos Professores

Manuel Alegre no programa Discurso Directo, na TSF, abordou o tema da avaliação do desempenho dos professores com lucidez e muito bom senso. É de assinalar a sua nota sobre os Governos que funcionam em «circuito fechado» - curiosamente algo que não é só característica dos governos, mas que ocorre igualmente na gestão empresarial - e a tónica que coloca sobre o facto de os professores estarem a perder a alegria e o gosto de ensinar.
Contrastando com o bom senso de Manuel Alegre, lá sai dislate da boca de um dos entrevistadores ao afirmar - «mas isso tem pouco a ver com a avaliação.» - como se a motivação (alegria e gosto de ensinar) não tivesse qualquer relação com a avaliação do desempenho. Boa resposta a de Manuel Alegre, o qual sem ser perito ou cientista no assunto, usando somente do bom senso, coloca os pontos nos "ii" sobre o dislate de dois jornalistas que não souberam fazer o seu trabalho de casa e apresentam neste aspecto um mau desempenho.
Um modelo de avaliação de desempenho só funciona se estiver baseado num modelo concreto de desempenho. Existem diversos modelos de desempenho sugeridos pelos cientistas da psicologia organizacional e da gestão. Por exemplo, Blumberg e Pringle [1] definem o desempenho como um modelo multipicativo baseado em três dimensões: Capacidade, Vontade e Oportunidade de desempenhar.
Desempenho = Capacidade X Vontade X Oportunidade

Estas três dimensões correspondem a agregados de variáveis com impacto no desempenho. A Capacidade para desempenhar corresponde a variáveis relacionadas com as capacidades técnicas e físicas para executar o trabalho requerido.
A Vontade para desempenhar agrega um conjunto de variáveis como a motivação, satisfação (com o trabalho), ansiedade, estatuto do posto de trabalho (prestígio), legitemidade de participação, percepções sobre as características das tarefas a executar, (...) , compromisso com o trabalho, , personalidade da pessoa, normas e valores, sentimentos sobre a equidade, e percepções sobre as expectativas do papel a desempenhar no posto de trabalho.
A Oportunidade para desempenhar corresponde a um conjunto de variáveis como as ferramentas de trabalho, os equipamentos, as matérias primas e o seu fornecimento, as condições de trabalho, as actividades e acções dos colegas, o comportamento do líder, (...), as políticas organizacionais, as regras e procedimentos, a informação, o tempo disponível e a remuneração.
São diversos os factores com influência quer no desempenho individual quer no desempenho de uma organização. Entre elas, a alegria e o gosto de ensinar que Manuel Alegre referiu, as quais são representadas na literatura científica pela variável «satisfação laboral» (job satisfaction, na literatura anglo-saxónica). A análise da satisfação laboral daria aqui "pano para mangas". Assim, indo directo ao refutar do dislate produzido pelos entrevistadores, centro-me concretamente no estudo científico de Cawley, Keeping, Levy [2], que constataram (e não são os únicos) que a participação no processo de avaliação do desempenho está directamente relacionada com a satisfação e a aceitação do sistema de avaliação do desempenho (no original, participation in the appraisal process is directly related to employees' satisfaction with and acceptance of the performance appraisal system).
O que o Ministério da Educação, a Ministra, os Secretários de Estado e muitos dos Jornalistas da nossa praça não percebem sobre este sistema de avaliação e a reacção dos professores está explicado em diversos trabalhos científicos:
  • Simcha [3], refere o impacto do sistema de valores pessoais do empregado na motivação, nas atitudes de trabalho e na percepção do sistema de recompensas utilizado na organização; (um trabalho de investigação publicado em 1978 e perfeitamente actual)
  • Lovrich, Hopkins, Shaffer, e Yale [4], relacionam directamente os efeitos e impactos dos sistemas de avaliação do desempenho na satisfação laboral, no clima organizacional (ou laboral) e nos valores profissionais. {Na minha opinião, o actual clima de conflitualidade organizacional é um autêntico sinal de alarme sobre o impacto deste sistema de avaliação no quotidiano da Escola no médio e longo prazo.}
  • Dois respeitáveis professores e cientistas, Zahra e Calvasina [5], referem explicitamente: «Motivation is a singularly important determinant of individual performance, and it is a major ingredient of job satisfaction. There are a number of ways in which managers can enhance motivation among their subordinates: 1. The motivation process should be personalized, given that different individuals value basic human needs in different ways. If the uniqueness of employees is being overlooked, then more emphasis needs to be placed on the orientation process for new employees. 2. The job itself can be a major motivator if there is ample opportunity for recognition and challenge and if the sense of accomplishment is enhanced. 3. The working climate should be conducive to achievement through such means as adoption of participative management in goal setting and leadership, continuous feedback and communication, and a suitable reward system. 4. The emphasis should be on equity, since fairness is essential to motivation.»
  • Zahra [6] dá pistas muito claras sobre a importância da variável compromisso organizacional {na minha opinião, uma variável que o Ministério da Educação não se preocupou em controlar e está completamente desgovernada} ao assinalar "As the search for better ways to manage human resources continues, the concept of organizational commitment (OC) is being more carefully scrutinized. It has been suggested that OC is a more significant factor in employee turnover than job satisfaction. OC is also an important factor in absenteeism, tardiness, and overall employee performance. Thus, supervisors must understand the nature and determinants of OC. OC involves: 1. acceptance of organizational goals and values, 2. willingness to exert substantial effort to achieve these goals, and 3. a concrete desire to maintain an active membership in the organization. To build OC, it is necessary to understand the background, personality, and organizational factors that determine it. Supervisors play a critical role in determining an employee's OC. To be effective, supervisors must understand that: 1. OC begins with the recruitment process. 2. Proper employee orientation is imperative. 3. The first 3-6 months are particularly important. 4. Good personnel practices should be emphasized."
  • Chandler [7] coloca em evidencia o mito da superioridade do sector privado em relação ao sector público. {Não esquecer que o actual sistema de avaliação tem raizes nos modelos utilizados no sector privado, alguns dos quais têm-se demonstrado autênticos "flops" no longo prazo}
  • Daley [8], evidencia a existencia de uma relação positiva, mas moderada, entre a avaliação do desempenho baseada na gestão pr objectivos e o sucesso da organização. O estudo é referente à Administração Pública do Estado de Iowa nos Estados Unidos da América.

Não é por mero acaso, é propositadamente que apresento artigos científicos que não são recentes e publicados revistas científicas isentas de qualquer suspeição. Existe considerável literatura científica sobre o assunto nos últimos 30 anos. Se os dirigentes do Ministério da Educação tivessem em consideração estes simples 8 artigos, os quais já são "velhinhos" mas perfeitamente actuais, o que foi abordado por Manuel Alegre na sua entrevista não teria sido tema actual de entrevista, nem tão pouco assistiriamos às manifestações de professores que temos assisto.

Manuel Alegre, com bom senso e usando de palavras simples, sintetizou o que é sabido e tem sido comprovado pela comunidade científica nos últimos 30 anos.

Referências Bibliográficas

[1] Blumberg, M., y Pringle, C. D. (1982). The Missing Opportunity in Organizational Research: Some Implications for a Theory of Work Performance. Academy of Management Review, 7(4), 560-569.

[2] Cawley, B. D., Keeping, L. M., y Levy, P. E. (1998). Participation in the Performance Appraisal Process and Employee Reactions: A Meta-Analytic Review of Field Investigations. Journal of Applied Psychology, 83(4), 615.

[3] Simcha, R. (1978). Personal Values: A Basis for Work Motivational Set and Work Attitudes. Organizational Behavior and Human Performance, 21(1), 80.

[4] Lovrich, N. P., Jr., Hopkins, R. H., Shaffer, P. L., y Yale, D. A. (1981). Participative Performance Appraisal Effects Upon Job Satisfaction, Agency Climate, and Work Values: Results of a Quasi-Experimental Study in Six State Agencies. Review of Public Personnel Administration, 1(3), 51.


[5] Zahra, S. A., y Calvasina, G. E. (1982). Practical Tips for Motivation. Management Quarterly, 23(1), 23.

[6] Zahra, S. A. (1984). Understanding Organizational Commitment. Supervisory Management, 29(3), 16.

[7] Chandler, R. C. (1986). The Myth of Private Sector Superiority in Personnel Administration. Policy Studies Review, 5(3), 643-653.

[8] Daley, D. (1988). Performance Appraisal and Organizational Success. Review of Public Personnel Administration, 9(1), 17.

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