2008-11-16

Meteu Sócrates o Cooperativismo na gaveta?

Nos últimos tempos, a propósito da crise financeira, da crise económica, muito oiço falar na necessidade e no apoio às pequenas e médias empresas. Sobre as cooperativas, sobre o apoio ao movimento cooperativo, nem uma palavra.


Desde o Plenário da Assembleia da República do dia 19 de Julho de 2007 que o assunto do cooperativismo parace ter sido esquecido ou metido na gaveta. Recupero aqui um texto da Deputada Matilde Sousa Franco sobre o tema. Os negritos são da minha responsabilidade. Até parece que Matilde Sousa Franco antevia a actual crise, incluindo a crise ética que dá lugar às trafulhices e escândalos que conhecemos em muitas empresas ou entidades financeiras.


Como Socialista, como adepto dos ensinamentos do grande António Sérgio, pergunto: Onde está o PS a defender a via cooperativista? Que tem feito o Governo na defesa e expansão do cooperativismo no nosso País? Quais a medidas políticas de apoio às cooperativas e ao cooperativismo?

O Texto de Matilde Sousa Franco
"A proposta de lei n.º 147/X, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva 2003/72/CE, do Conselho, de 22 de Julho de 2003, que completa o estatuto da sociedade cooperativa europeia no que diz respeito do envolvimento dos trabalhadores, foi aprovada por unanimidade no Plenário da Assembleia da República, em 19 de Julho de 2007, e baixou à Comissão.
Com esta unanimidade, tornou-se ainda mais evidente o universal consenso quanto à fundamentalimportância das cooperativas no século XXI.


O Cooperativismo, nascido no Reino Unido em 1844, rapidamente se expandiu pela Europa e por outros continentes, entendendo-se por cooperativa «uma associação de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades económicas, sociais e culturais comuns, através de uma empresa de propriedade comum e democraticamente gerida». Os valores cooperativos são, no início deste novo século, mais imprescindíveis do que nunca e baseiam-se em ajuda mútua, democracia, igualdade, equidade, solidariedade, e promovem os valores éticos da honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação pelos outros.
O modelo é agora legalmente reconhecido em todo o mundo. Actualmente, países dos mais desenvolvidos têm acima de 50% da população a participar em cooperativas, mas só haverá mais justiça social se esta percentagem aumentar.

António Sérgio (1883-1969), «dos pensadores mais marcantes do Portugal contemporâneo», afirmava já em 1948: «Os povos do Universo só serão felizes, creio, no dia em que administrarem as suas próprias coisas através de cooperativas (…)». Isto pareceu utópico a alguns, mas o percurso da humanidade vem dando cada vez mais razão a Sérgio.
Sempre fui cooperativista convicta, como discípula de António Sérgio, e penso que na sociedade actual, em que a globalização financeira agravou os desequilíbrios entre o mundo do trabalho assalariado e o do capital, a favor deste, mais urgente se tornou desenvolver o cooperativismo. Ainda há insuficiente implantação cooperativa na Europa e no mundo, mas o seu incremento a curto prazo será um factor de união também entre povos de origens e culturas diferentes, portanto um pilar para o inadiável diálogo intercultural, para a paz no mundo.


No panorama jurídico, e não só, há desvantagens das cooperativas perante as sociedades comerciais. Agora que na Europa se debate o novo tratado reformador da União Europeia e urge resolver os problemas da economia, é ainda mais premente que os trabalhadores intervenham no desempenho da empresa, por exemplo nos assuntos da adopção de novas tecnologias, deslocalizações, etc.

Exprimo dois votos. O primeiro voto é de congratulação por este Governo estar muito empenhado em desenvolver as cooperativas no nosso país, inclusivamente com sociedades cooperativas europeias a terem a respectiva sede em território nacional.
O segundo voto é o de ver Portugal impulsionar a expansão do cooperativismo no mundo, o que julgo justificar-se por dois motivos. O primeiro motivo é o de Portugal ter sido pioneiro da primeira globalização e esta se revelar ainda hoje, a nível internacional, uma enorme vantagem para o nosso país. Portugal pode e deve ser, pela sua multissecular experiência de sucesso intercultural, pólo dinamizador do diálogo intercultural do século XXI.

O segundo motivo seria uma espécie de homenagem ao injustamente esquecido António Sérgio (o qual bem merecia estar no Panteão Nacional) e que tanto lutou pela democracia (tendo sido até o proponente da candidatura presidencial de Humberto Delgado), tanto defendeu o socialismo democrático (tendo inclusivamente sido pioneiro e doutrinador do cooperativismo nas profundamente adversas condições do Estado Novo), tanto congregou numerosos intelectuais e não só (na sua casa conheci, por exemplo, Aquilino Ribeiro). Anote-se ainda que António Sérgio era um cidadão do mundo, nascido em Damão (antiga índia portuguesa), viveu em quatro continentes e tinha uma cultura enciclopédica, universalista.
Por exemplo, na conferência na Caixa Económica Operária em princípios de 1948 (pouco depois foi preso pela quarta e não última vez), António Sérgio defendia: «(…) a face do cooperativismo: a liberdade, a igualdade, a fraternidade entre os homens, trazidas para o campo do material na vida (…)».
«Vi nele um Socialismo, em suma, mas não estadualista: um socialismo libertário, acolhedor de todos, sem distinção de classes de teor económico» (in Confissões de um Cooperativista, Editorial Inquérito Limitada, Lisboa, 1948). A partir de 1951, com a criação do Boletim Cooperativista, sob a inspiração de Sérgio e devido ao grande impulso desse pensador, o movimento cooperativo renovou-se em Portugal, apesar da oposição da ditadura. Com o 25 de Abril verificou-se um considerável desenvolvimento do cooperativismo, mas esta situação inverteu-se desde o início dos anos 80, com um agravamento nos anos 90.

A teoria de António Sérgio sobre o socialismo cooperativista foi essencial na consolidação do
cooperativismo. A implementação de cooperativas em Portugal com o objectivo de abarcar o mundo será sobretudo uma forma extremamente útil e moderna de Portugal se afirmar a nível universal nesta nova centúria, tendo, também assim, um relevante papel como obreiro da paz mundial."
A Deputada do PS, Matilde Sousa Franco.



1 comentário:

faustino disse...

Tenho perguntado o mesmo. Como é possível que um partido que teve como seu militante destacado, Henrique de Barros, não considere o Cooperativismo como fundamental do seu programa e da sua política?